Um Extra

Nada me fazia demover daquele pensamento que me assombrava o espírito. O pior tinha passado, mas eu estava completamente aterrado. Tinha sido mau e, no entanto, libertador. Como que uma viagem com regresso ao inferno, numa incessante procura de mim mesmo, enfrentando os meus fantasmas e os meus horrores, que fui coleccionando ao longo da minha vida. Tinha chegado esse momento desesperante... Enfrentar os medos e sair vitorioso dessa batalha.

Sentado numa sala escura, fechei os olhos e refugiei-me no meu cérebro. Vesti a minha armadura da razão e lá prossegui para o meu interior. Primeiro cruzei-me com os pensamentos superficiais. Estes não me assustaram, pois não passavam de banalidades e trivialidades que não se formam para assustar ninguém. À medida que ia descendo, fui-me cruzando com pensamentos mais profundos. Apesar de serem mais negros e mais elaborados, a armadura de razão protegeu-me, permitindo que continuasse a viagem, sem recear enfrentá-los. Até que cheguei ao fundo de mim. Nesse espaço sem luz ou janelas, encontrei os meus horrores. De repente um espelho materializou-se à minha frente, reflectindo uma imagem grotesca que reconheci como sendo minha. O espaço encheu-se de pensamentos abstractos e contraditórios misturados com os meus medos que voavam ferozmente à minha volta, gritando estridentemente que me deixasse sucumbir. Assustado, tentei em vão fugir daquela imagem. Nada me tinha preparado para enfrentar aquele meu lado. Aos poucos a minha armadura da razão foi-se desfazendo, deteriorada pelas fortes emoções que aquela imagem me havia provocado, até desaparecer completamente e me deixar despido de razão, invadido por emoções loucas e descontroladas que tentaram possuir a minha mente.

Despido e desprotegido, tentei refugiar-me num canto daquele lugar lúgubre, fugir aos gritos estridentes e à imagem deturpada de mim. Mas tal canto não existia… Em vão tentava fugir da minha sombra, do meu outro eu, mas cada vez a imagem era mais nítida e funesta. O pavor intenso apoderou-se de mim e o pânico fez com que as minhas pernas deixassem de responder. Fiquei imóvel… Fiquei impedido de me mexer… Foi então que algo extraordinário aconteceu. Uma luz intensa começou a brilhar… Era a esperança… Banhado por essa luz, o pânico desapareceu e o terror foi enfraquecendo. Devagar, como se estivesse a aprender a andar outra vez, fui-me aproximando do espelho… agora, frente à imagem, fui capaz de contemplar o meu lado negro, o meu lado aterrador, que sempre me perseguiu e que sempre tentei esconder dos outros. Nesse momento apercebi-me que ignorar ou esconder o meu lado sombrio, era obliterar uma parte de mim. Que fugir não era a solução. À medida que ia conseguindo compreender aquele reflexo, os fantasmas e os medos começaram a desaparecer. Um por um fui enfrentando, até que nada mais restava que eu, o espelho e a luz. Nesse momento abri os olhos. Regressei à vida. Ainda a tremer, levantei-me do chão e comecei a caminhar em direcção a uma janela. Deixei que a luz do dia invadisse a sala e me banhasse o corpo.

A batalha estava terminada, mas não a guerra. Mas a próxima vez que tiver de o fazer, pelo menos, já saberei o que esperar…

Comentários

  1. "Primeiro cruzei-me com os pensamentos superficiais. Estes não me assustaram, pois não passavam de banalidades e trivialidades que não se formam para assustar ninguém."

    Do que conheço de ti, sei que está é uma das coisas que tens de positivo (entre muitas outras); a capacidade de ver que a vida é simples... Nós é que a complicamos...!!!

    ***MUAH*** daqueles grandes e gôdos :)

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  2. Olá fofinha

    Pois é. A vida é simples, mas eu diria ainda mais... é subjectivamente simples.

    Eu tenho a capacidade de simplificar, mas tu tens uma qualidade imensamente melhor... A força e a Garra...

    E essas às vezes já vão faltando.

    Um beijo (obviamente gordo)

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  3. Olá fofinha

    Pois é. A vida é simples, mas eu diria ainda mais... é subjectivamente simples.

    Eu tenho a capacidade de simplificar, mas tu tens uma qualidade imensamente melhor... A força e a Garra...

    E essas às vezes já vão faltando.

    Um beijo (obviamente gordo)

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